Sem Medo de ser Fiscalizado - A Estratégia

20, Mar de 2018   Manoel de Almeida Henrique
Sem Medo de ser Fiscalizado - A Estratégia

Nos países modernos constata-se que as leis tributárias existem não para impor de forma desenfreada obrigações fiscais e limitar as atividades das empresas, mas sim para conter o próprio ímpeto desmedido do estado face ao seu poder ilimitado de criar a todo momento normas tributárias à sociedade.

Diante da constatação de que o nosso país ainda não alcançou esse nível de amadurecimento em relação à maioria das suas legislações vigentes e sendo uma das suas principais causas a crescente complexidade tributária agregada a uma crise política e econômica sem precedentes acompanhada de queda de faturamento, começa a nascer dentro das empresas a percepção da necessidade urgente de incluir um novo tipo de gerenciamento do risco fiscal dentro da gestão global dos riscos, a exemplo dos clássicos operacionais, econômicos, meio ambiente e os de imagem.

Mais do que nunca, no momento, se mostra necessário rastrear incessantemente, como um radar, o ambiente interno e externo da empresa a procura dos riscos e oportunidades fiscais e manter medidas preventivas e reativas, haja vista que essas ações poderão fazer a diferença da valorização da empresa agora, assim como no seu futuro de médio e longo prazo.

Antes de mais nada, é importante que se diga que gestão dos riscos fiscais não deve ser confundida com as importantes recomendações relacionadas aos processos de auditoria independente, a qual possui como objetivo principal emitir um parecer de forma periódica quanto às demonstrações financeiras da empresa e sua adequação aos princípios contábeis e à legislação contábil vigente. Ou seja, a gestão dos riscos fiscais deve ser vista de forma mais ampla, a exemplo de um departamento de compras, vendas, contabilidade, jurídico, etc.

A gestão dos riscos fiscais tornou-se imprescindível por diversos motivos, não somente pelo impacto que os erros, omissões e os autos de infrações fiscais produzem no fluxo do caixa das empresas, mas também pela representação criminal de sócios, diretores, contadores e gerentes, seja em razão de suas decisões ou por atos praticados por seus subordinados.

Decisões sem a devida avaliação de riscos fiscais podem possibilitar a criação de condições de detecção do fisco e a consequente lavratura de autos de infrações que, por sua vez, obrigam as empresas ao provisionamento de valores constrangedores em suas demonstrações financeiras ou, de outra forma, fazer emergir nas contas do ativo e por eternos exercícios créditos milionários de tributos que comprometem o financiamento das atividades, o que, em ambos os casos, são fonte de constante preocupação e incansáveis explicações dos dirigentes empresariais.

Faz sentido o atual cenário de preocupação do empresariado, pois ninguém quer participar das estatísticas dos tribunais administrativos tributários, muito menos do judiciário.

Em 2016 o Tribunal de Impostos e Taxas – TIT, Sefaz SP, registrou a entrada no contencioso administrativo do estado de SP do valor de R$ 27,9 bilhões relativo a autos de infrações lavrados pelo fisco paulista (1) e a Receita Federal noticiou que em 2016 foram lavrados R$ 117,6 bilhões, também em autos de infração (2).

Isso tudo foi motivado pelo aumento silencioso da complexidade tributária ao longo do tempo que concorreu para elevar cada vez mais o risco tributário. Até cerca de 10 anos atrás, a emissão de uma nota fiscal modelo 1, ainda na forma eletrônica, tinha somente 61 campos de registros a serem preenchidos e hoje, a mesma nota fiscal, denominada agora NF-e, atingiu mais de 500 campos para registros. Os CFOPs que tinham somente 180 tipos de códigos para se enquadrar as operações fiscais passaram a ter mais de 550 códigos específicos que, por sua vez, se integram ao CST,ao CEST, a NCM, as alíquotas do ICMS, IPI, PIS, COFINS, etc. O antigo arquivo eletrônico do Sintegra que necessitava ser preenchido com apenas 65 campos de registros hoje necessita de mais de 200 campos de registros para o correto preenchimento da EFD-ICMS-IPI.

Com isso, dizemos por experiência, não existe uma empresa neste país, ainda que se esforce, que consiga se manter em 100% de conformidade fiscal.

O momento está sendo muito difícil para as empresas brasileiras e a estratégia de sobrevivência passará pelo desafio darwiniano no qual sobreviverão não as maiores do ponto de vista econômico, mas sim as mais adaptadas a esse novo ambiente e o fator tributário poderá ser decisivo nesse período de turbulência, haja vista sua conexão com as áreas vitais da empresa, principalmente as de gestão de vendas, compras e logística de estoques.

Será que só utilizar as auditorias digitais de cruzamentos fiscais é suficiente como estratégia? Será que utilizar os planejamentos tributários lastreados em decisões de julgamentos suspeitos será o caminho? Dizemos que não, é necessário inovar com fundamentos sólidos e um forte exemplo de instrumento de estratégia quase nunca utilizado é a Lei Complementar 939/2003, que estabeleceu o Código de Defesa do Contribuinte, sendo que neste dispositivo legal consta os limites para a condução de uma fiscalização tributária.

Tanto durante nossa estada como gestor na SEFAZ-SP, como agora, atendendo aos mais diversificados questionamentos de empresários, profissionais diversos e estudantes em relação a ações fiscais, é surpreendente como a Lei Complementar 939/2003 é estranha ao ambiente empresarial e acadêmico.

Na interpretação da LC 939/2003 é necessário estar atento para as sutilezas técnicas atrás dos textos, das vírgulas e das expressões que podem colaborar para o norteio das empresas quando sob ação fiscal. Cito uma sutileza importante e muito pouco observada, talvez por medo de retaliação ou ausência de estratégia, que é aquela em que a empresa, sendo fiscalizada, possui o direito, nos termos do inciso VII do artigo 5º da LC 939/2003, de solicitar ao fisco um recibo sobre os seus documentos e arquivos digitais entregues quando da notificação inicial dos seus trabalhos. Esse recibo oficial ou protocolo de recebimento não será essencial somente para comprovar a entrega de livros e documentos, mas através dele é que será efetuada a contagem do prazo para que a auditoria seja concluída em até 90 dias e, em sendo o caso, restabelecida a espontaneidade para fins de correção fiscal.

“… Artigo 5º - São garantias do contribuinte:

VII o restabelecimento da espontaneidade para sanar irregularidades relacionadas com o cumprimento de obrigação pertinente ao imposto caso a auditoria fiscal não esteja concluída no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data em que ocorrer a entrega à autoridade fiscal da totalidade das informações, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos solicitados…”

Muitos autos de infrações poderiam ser defendidos de forma eficaz somente com a verificação do cumprimento dessa legislação, uma vez que se existir uma única omissão de procedimento essencial do fisco nos seus termos, todos os atos praticados poderão ser invalidados e assim tornarem nulo o auto de infração. Isso é um direito do contribuinte e não há que se temer represálias, pois há muito tempo as seleções de contribuintes para fiscalização são realizadas através de critérios objetivos envolvendo cruzamentos de arquivos digitais.

"LC 939/2003 … Artigo único das DTF – São inválidos os atos e procedimentos de fiscalização que desatendam os pressupostos legais e regulamentares, especialmente nos casos de: II – omissão de procedimentos essenciais…”

Revela-se dessa forma que a proteção das empresas não pode estar amparada somente nos programas de “compliance” ou das auditorias estatutárias ou internas ou mesmo eletrônicas digitais automatizadas ou em planejamentos tributários agressivos, mas sim, há que se buscar daqui para frente um trabalho diferenciado, especializado, de inteligência fiscal, como uma espécie de um olhar fiscal, uma visão holística de todo o ambiente de geração da informação fiscal digital, com seus processos interpretativos, preventivos, corretivos, inclusive com conhecimento sobre os processos de fiscalização, de forma a estabelecer a melhor estratégia para um modelo de gerenciamento que venha não só mitigar o máximo possível os riscos fiscais, mas também aproveitar as oportunidades tributárias.